coldfire

Descrito como diário, diariamente descrito. Contraditório nos objetivos, objetivamente contraditório. Pegue uma cadeira e sente-se.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Epifania

Escrevia já tarde da noite; estava cansado do dia que exigiu talvez mais do que devessem lhe exigir os dias. As novas tarefas que misteriosamente se intercalavam à sua agenda eram enfadonhas: tomavam muito tempo e fatigavam bastante. Não podia, contudo, deixar de expressar seu lado imaginativo que, assim como ocorre às fadas, morre um pouco a cada vez que é deixado de lado.
Dessa vez aconteceu diferente. Escrevia furiosa e rapidamente, as palavras, volumosas, lhe escorriam mãos abaixo como uma verdadeira enxurrada. O suor deslizava pelo rosto, fazia caretas, contorcia-se todo. Os movimentos tornavam-se tão ágeis quanto sutis, a escrita cavalgante alcançava o trote veloz do pensamento. Espasmos.
As palavras agora tomavam todo o cômodo, persuadindo habilmente todos os obstáculos. Não podia mais controlá-las, tinham vida própria; decidiram não mais se subordinarem. Compuseram orações coordenadas: estavam mesmo organizadas e unidas em um mesmo propósito. Impediram-lhe de continuar a escrever e, em tal ponto, foi fatal. Não conseguia segurar internamente seus personagens quando as palavras já lhe alcançavam a altura da boca. Cobriram o nariz e começaram a sufocá-lo. Convulso, tentou sussurrar alguma coisa que não podiam mais ouvir. Afogou-se nas palavras que se calaram daí então.

4 Comentário(s):

21 agosto, 2006 23:53, Blogger Rafael diz:

Epifania
do Lat. epiphania < Gr. epiphneía, aparição

s. f.,
aparição de Jesus Cristo aos gentios;
festa religiosa para celebrar esta aparição a 6 de Janeiro;
dia dos Reis Magos.

 
21 agosto, 2006 23:56, Blogger Rafael diz:

Intertextualização póstuma*: subversão ao Gigolô das Palavras, de Luís Fernando Veríssimo.

*pós-leitura

 
23 agosto, 2006 23:34, Blogger L. F. O. Martins diz:

Fora algumas questões de concordância que já lhe expus, não entendi uma coisa... O cara não escrevia, mas queria escrever, e quando começa, as palavras se revoltam e o afogam, é isso?

 
22 outubro, 2006 13:50, Anonymous Anônimo diz:

Sabendo q, se sujeito e verbo concordam em número e pessoa, houve concordância verbal e q, se determinantes concordam em gênero e número com o substantivo a q se referem, houve concordância nominal, do q o nosso amigo luiz felipe fala quando diz q há problemas de concordância no seu texto?? Se ele esiver falando dos "compuseram", concordo. mas...

O texto é bem bolado e bem metalingüístico. a difícil e dura arte de escrever... as mãos e a cabeça trabalhando lado a lado, ou não... e o sofrimento do artista ao viver o conflito da criação. adorei.

não entendi o seu comentário sobre o Gigolô das Palavras.

bjo. ler o q vc escreve é sempre um prazer.

 

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